Posfácio de Lança-chamas, de Regina Azevedo - Editora Peirópolis

Posfácio de Lança-chamas, de Regina Azevedo

 

Regina reinava; e reina

Ana Elisa Ribeiro

 

Fazia um calor arretado em Natal. Ao sair dos carros dos amigos, sempre com o ar-condicionado a 15 graus, meus óculos se embaçavam no contato repentino com o bafo dos trinta e tantos graus. E uma saída dessas foi para entrar num parque de dunas, em algum lugar bonito daquela cidade. Desci sem crer no que iria acontecer logo mais. Parecia exagero que eu fosse encontrar dezenas e dezenas de adolescentes lendo e ouvindo poesia, embaixo de uma árvore frondosa, em cima de um tablado, num parque público, em plena sexta-feira à tarde.

Não era exagero.

E lá estava, diante de mim, não apenas a cena arrepiante de tantos e tantas jovens lendo poesia, alto, em performances menos ou mais teatrais, mas também a líder do “movimento”, Regina Azevedo, então uma jovem escritora, quase por lançar seu primeiro livro por uma editora independente incrível da capital potiguar, a Jovens Escribas.

Regina franzina, Regina de cabelos encaracolados, Regina com espinhas, Regina firme no propósito de ser escritora, já sendo. Já era leitora voraz de poesia, tinha seus padrinhos e madrinhas poéticos, e não apenas lá, dizia poesia coletivamente, tal como aprendera com seus pares mais velhos. Herdeira, mas também liderança entre as garotas que mudariam a cena poética natalense, potiguar, brasileira. Regina reinava mesmo, era visível. E acho que não consegui dizer nada naquela tarde, talvez nada além de um ou dois poemas.

Foi assim que conheci Regina, para depois reencontrá-la em lançamentos em São Paulo, ainda jovenzinha, sentadas que ficamos, juntas, numa mesa de canto, evitando o reboliço do lugar fechado. Na foto, aparecemos juntas, de batom, bem como se nos escondêssemos da turba. Éramos cúmplices e falamos de poesia ali também.

Regina lançou então mais livros, cortou os cabelos, fez faculdade, cresceu e continuou poeta. Porque há tantos motivos para a gente deixar de ser… para a gente se convencer de outras coisas bem menos importantes. Mas eu via, pelas redes sociais, Regina reiterar seu voto. Regina publicou mais, escreveu mais, construiu uma voz cheia do seu sotaque, do seu olhar, da sua reivindicação de ser escritora. Estão aí, na poesia dela, tanto a avó quanto a neta, espelhadas em suas ferocidades, sem perder as ternuras. Regina hoje está em listas de poetas que despontam. Listas são importantes. Mas mais importante é ter conhecido a Regina quando ela nem parecia real: uma adolescente pronta para se tornar a Regina Azevedo. E por falar em madrinhas…

A Biblioteca Madrinha Lua pretende reunir algumas dessas poetas que nos aparecem pelas frestas do mercado editorial, pelas fendas do debate literário amplo, pelas escotilhas oxidadas enquanto mergulhamos na literatura contemporânea. Já no final da vida, Henriqueta Lisboa, nossa poeta madrinha, se fazia uma pergunta dura, sem resposta previsível, em especial para as mulheres que escrevem: “Terá valido a pena a persistência?”. Pois então. Acho que todas se perguntam isso, mais cedo ou mais tarde. Não terá sido por falta de persistência e de uma coleção como esta, poeta. Vejamos aí a poesia quente e direta de Regina Azevedo.

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