A escrita de Tamara

Se navegar não deixa rastros, Tamara certamente encontra, nestas obras de estreia, sua forma de inscrever-se, em multimeios, entre gêneros, na poesia e na prosa, de uma maneira que certamente inspirará leitores de todas as idades. Sua gramática inclui o mar, a chegada e a partida, o perto e o longe, o dito e o não dito, o deslocamento e o centramento. O enredo que ela corajosamente compartilha com o leitor, com desenvoltura e sem amarras, é sobre a graça e a dor de ser.

Na escrita viva e fluente de Tamara, em verso ou prosa, nas ilustrações que são poemas visuais ao modo de Apollinaire ou Leonilson, e nas crônicas de viagem publicadas no canal do YouTube, a autora mostra o que tem aprendido desde pequena: a imensa dedicação ao seu projeto de vida. Nas narrativas textuais e visuais, Tamara compartilha suas experiências como mulher, estudante em exílio provisório, e velejadora profissional. A primeira viagem em solitário lhe possibilita encarnar um modelo arquetípico da trajetória de heroína – o que faz dessa travessia uma metáfora maior da vida.

Como tudo começou

"A minha relação com o mar começou desde cedo, ouvindo os relatos do meu pai sobre suas viagens no oceano. Ficava imaginando o cenário, a cor, o gosto da água, até que, aos 8 anos, estreei na navegação com minha família (as três irmãs, a mãe, Marina, e o pai, Amyr Klink) em uma expedição para a Antártica.

Fiquei maravilhada com as paisagens e com a chance de visitar locais onde nós, humanos, somos reféns do vento, do frio e dos icebergs que despontam no caminho. Retornei à terra firme sabendo que meu destino era o mar — e sozinha.

Queria ser a comandante. Aos 15 anos, pedi o barco dos meus pais emprestado e ouvi um sonoro não. Eles acreditavam que, para navegar sem ninguém ao lado, eu precisava ter meios materiais, físicos e emocionais.

E assim comecei a devorar livros, documentários e a estudar para minha jornada-solo. Quase uma década depois, estou no meio dela, contando os dias para cruzar o Atlântico na companhia de mim mesma."

Para acompanhar a família na primeira das três viagens à Antártica e justificar a ausência das meninas em um período letivo, a fotógrafa Marina Bandeira Klink propôs às filhas Tamara, Laura e Marininha, a escrita de um diário de viagem. Na volta, elas poderiam apresentar aos colegas tudo o que viveram e registraram. Ali nascia o livro Férias na Antártica, que já comemorou 10 anos de edição e se desdobrou em mais de 200 palestras das irmãs Klink em escolas, cativando muitos leitores, ano após ano. As irmãs cresceram e Tamara, a que mais aderiu à prática de escrever diários, desenvolvendo sua escrita e veia poética, também encontrou seu caminho como velejadora. Adulta, ela uniu as duas paixões: velejar e escrever, registrando suas experiências na vida e em viagens.

Comentários sobre as obras de Tamara Klink

Tamara Klink disse:

Eu escrevo pra ter tempo de perceber a vida, que corre, escorre ao meu redor. A vida que emerge do mar na forma de golfinhos, de baleias. Eu escrevo porque o texto me faz companhia. Quando estou sozinha, quando estou cercada. Quando estou longe ou perto de mim. Eu posso conversar comigo deste instante, eu posso conversar comigo de outros tempos. Os textos marcam etapas de um caminho. Eu escrevo pra mapear os lugares por onde eu passo, pra cartografar os lugares que passam por mim. O livro é uma coleção de cartografias.

Amyr Klink disse:

Muito longe daqui e sem que nós soubéssemos, Tamara encontrou um barquinho velho e meio largado e o fez navegar de verdade. Por conta própria e só. E, com um bom humor que nos surpreende, foi contando, desenhando, escrevendo. Quase brincando com as letras palavras e frases, foi escrevendo uma espécie de poesia de que gosto muito.

Lalau Simões disse:

Os olhos de Tamara - os grandes olhos de Tamara – estão sempre voltados para o mar. Inquietos, curiosos e impulsivos, procuram enxergar além do horizonte imenso e azul. Lá onde sua genética e espírito a levam. Teimou, respirou fundo, planejou, comprou um barco e partiu para sua primeira travessia solitária pelas águas do planeta. Em sua companhia: juventude, coragem e poesia. Os relatos de sua aventura são feitos de imagens belíssimas e versos vigorosos. A poesia de Tamara são velas ao vento.

Marina Bandeira Klink disse:

Em cadernos que pareciam pequenos, você soube fazer caber um mundo inteiro. Cadernos mágicos onde você deu ao seu cotidiano poderes especiais de perpetuação. Seus registros me emocionam por palavras e traços, que fluem com facilidade do seu coração para o papel. Em poucas linhas você transforma textos em máquinas do tempo, que me transportam para os dias em que, ainda pequena, era somente minha filha.

Laura Klink disse:

Seguramos no colo, escolhemos o nome, a roupa, as cores e os enfeites. Brincamos. Traçamos linhas tortas, finas e grossas, pontilhadas e contínuas. Ensinamos as primeiras palavras. Com o tempo, as mãos entendem que podem transformar as linhas em histórias. As pernas crescem e aprendem que podem ficar de pé. As palavras estranhas amadurecem e viram frases – vontade e opinião. Fazemos de conta de que sempre será nosso. Os pés aceleraram o passo e tentamos correr atrás. Colocamos limites, mas a grade do portão já não impede mais. Queremos segurar a todo custo. Deixamos ir. Não podemos mais mudá-lo. Ele já não é mais nosso, é do mundo. Falamos que estaremos aqui até nosso corpo não deixar mais. E, quando já não estivermos mais, ele irá nos eternizar, pelas palavras que uma vez dissemos. Um livro nunca morre.

Morena, enquanto você desenha suas próximas rotas, este livro ainda passará por mares e fronteiras pelos quais nunca sonhou cruzar.