Chico dos Bonecos dialoga com o pai da pedagogia moderna em "Muitas coisas, poucas palavras"
Comênio para os dias de hoje
Como outros livros de Francisco Marques, em Muitas coisas, poucas palavras ? A oficina do professor Comênio e a arte de ensinar e aprender encontramos características de seu estilo singular que encanta as “crianças de todas as idades” que frequentam suas oficinas de brinquedos e brincadeiras nos quatro cantos do país. O autor, que há décadas realiza um trabalho de formação de professores, sendo convocado para apresentar suas descobertas por escolas de todo o Brasil, encontrou no elemento lúdico, na arte e nas relações afetivas as chaves para introduzir a criança no mundo do conhecimento.
Em seus estudos, por sua vez, Francisco Marques encontrou em Comênio e sua “Didática Magna” a afirmação desses valores. Mas como fazer para que esse pensador do século XVII seja compreendido nos dias de hoje? E não apenas compreendido, mas ter suas idéias colocadas em prática? Essas questões impulsionaram Chico a escrever a peça radiofônica Muitas coisas, poucas palavras, que gerou o livro homônimo.
“Palestra cantarolante”
O livro é apresentado pela professora Marieta Lúcia Machado Nicolau, da Faculdade de Educação da USP, como “obra de poeta, contista, ator e educador”, em que o autor “privilegia seus leitores, colegas professores, com um texto em que se conjugam forma e conteúdo para falar ao coração e à razão”. Além de trazer a peça radiofônica, em Muitas coisas, poucas palavras o leitor também encontra uma excelente biografia de Comênio e todas as fontes nas quais
Francisco Marques bebeu.
A música, presença forte em toda a obra, que veio marcar a parceria entre o pai, Francisco Marques, e o filho, o músico Estevão Marques, ambos arte-educadores, é um elemento que ganha tratamento especial. Como destaca Fernando Barba, diretor do grupo de percussão corporal Barbatuques, que assina a orelha do livro, “na minha atividade como músico e como professor desta ‘música corporal?, observei inúmeras vezes os benefícios que os educadores colhem ao incluir a música, o corpo, a representação, o movimento, a linguagem não-verbal e o brincar como ferramentas no processo de ensinar. Existe uma música já presente no aprender. A melodia da voz do professor, o ritmo de sua fala e de seus gestos são referências constantes ao aluno que aprende com todos os seus sentidos.”
A conjugação de forma e conteúdo salta aos olhos também pelas ilustrações, que vieram se somar aos esforços de Chico para diminuir as distâncias entre o pensador do século XVII e os educadores de nossos dias. A ilustradora Silvia Amstalden soube sublinhar a presença de outras temporalidades com imagens que remetem a processos de impressão antigos, como a tipografia.
Para saber mais sobre a relação entre Francisco Marques e Comênio, navegue na matéria Chico dos Bonecos e a oficina do professor Comênio, publicada neste site em abril de 2008.
Abaixo, encontram-se disponíveis trechos do texto de apresentação de Marieta Nicolau, trechos do texto de abertura de Francisco Marques e o sumário do livro.
“Estudo e reflexão”
Marieta Lúcia Machado Nicolau, professora da Faculdade de Educação da USP
(…)
Não espere o leitor atento e interessado no tema um texto teórico sobre a inteligência, a arte de ensinar e a disciplina. O que esse leitor vai encontrar é uma palestra cantarolante ou uma peça radiofônica ou um livro em voz alta em que predominam a sensibilidade, a emoção, a paixão para pôr em prática o princípio de que é preciso mostrar a arte de ensinar em ação.
(…)
E isso o autor consegue com rara felicidade ao propor uma conversa sobre temas educacionais, cujas idéias e argumentos estão fundamentados na “Didática Magna”. Propõe assim um diálogo entre um personagem e Comênio, diálogo como aquele que deve ocorrer entre aluno e professor do aluno. Com caráter teatral, o texto se entremeia com canções que não só aportam o lúdico ao texto, mas complementam também as reflexões sobre os temas em pauta.
(…)
À primeira vista, a singularidade deste livro se revela por uma opção clara de atualizar temas educacionais de uma forma inteligente, revitalizando idéias da “Didática Magna” e contextualizando-as no diálogo entre personagem e Comênio, num texto teatral.
(…)
Não se engano o leitor. É mais que isso. É obra de estudo. Complementa a pela radiofônica ou a palestra cantarolante ou o livro em voz alta a explicitação das fontes comenianas de cada quadro. Com seriedade, compromisso e cuidado, o autor apresenta essas fontes, abrindo ao leitor caminhos para aprofundamento de suas reflexões.
(…)
E ainda compõe a biografia do autor da “Didática Magna” com primor, pois traz o percurso do biografado de modo vivo e contextualizado. Soma-se a esse trabalho uma bem cuidada bibliografia de Comênio. Por tudo isso, certamente Muitas coisas, poucas palavras propiciará uma leitura com alegria e paixão e contribuirá para o estudo e a reflexão dos educadores.
“A história de uma leitura”
Chico Francisco dos Bonecos Marques
Iniciei a leitura da “Didática Magna”, de Comênio, como quem vai fazer uma solene reverência ao monumento que marcou a história da educação e a história das reformas sociais.
Logo na abertura, entretanto, bem ali, na segunda página, a minha leitura solenemente se espatifou no chão:
‘A proa e a popa da nossa Didática será investigar e descobrir o método segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais.’
Atarantado, alvoroçado, saí catando os cacos daquela idéia desafiante, bem-humorada, contemporânea, futurista.
A partir daí a leitura foi uma luta de espadas, um trapezape constante: Comênio me provocava com a sua vitalidade e eu sublinhava frases e circulava palavras; Comênio me encantoava com suas metáforas da natureza e eu anotava nas margens e marcava as páginas com pedaços de barbante.
A minha leitura não fugia do combate, mas teimava em escapulir do livro…
Bastava um simples ponto final e os meus olhos de leitor puxavam as lembranças da minha apresentação, ontem mesmo, naquela escola, com aquelas crianças.
Bastava um novo parágrafo, um pequeno espaço entre as linhas, a mínima janela, e os meus olhos de leitor voavam para as minhas oficinas sobre “brinquedos e brincadeiras”, naquelas escolas, com aqueles pais e professores.
Bastava o esforço sentimental-muscular de virar uma página e os meus olhos de leitor reviravam futuros breves e longos.
Quanto mais eu procurava situar historicamente as idéias do pensador Comênio, mais o professor Comênio me situava historicamente no meu Brasil planetário.
Numa bela manhã de chuva, estava matutando, batucando na capa da “Didática Magna”:
– Cômenio foi um cidadão universal, um dos precursores do diálogo entre religiões, povos e culturas. É natural que ele queira conhecer o nosso mundo de hoje…
Então, p
ara atender ao seu desejo, passei a ler a “Didática Magna” nos ônibus, nos meus trajetos para as escolas. Assim, enquanto meus
olhos de leitor, distraídos, transbordavam das páginas, Comênio observava, com olhos de criança, cada detalhe da cidade, cada gesto das pessoas.
Numa dessas viagens, tomei coragem e fiz o convite:
– Professor Comênio, o senhor não gostaria de falar para os pais e professores de hoje? Podemos combinar o seguinte: na primeira parte, apresento alguns brinquedos; na segunda parte, o senhor apresenta as suas idéias.
Sem tirar os olhos da cidade, Comênio respondeu com uma pergunta:
– E o que eu teria a dizer aos pais e aos professores de hoje?
Respondi comenianamente:
– “Muitas coisas em poucas palavras”. Na verdade verdadeira, quero que os pais e os professores não apenas ouçam as suas idéias, quero que eles vejam a sua paixão.
E assim nasceu esta mistura de palestra cantarolante, peça radiofônica e livro em voz alta.
SUMÁRIO
Indicações
Estudo e reflexão [Marieta Lúcia Machado Nicolau]
A história de uma leitura 10
Muitas coisas, poucas palavras 14
Primeira parte ? A chegada 16
Quadro 1: Abraços
Canção: Bate o sino
Segunda parte ? A inteligência 22
Quadro 2: As sementes 24
Canção: Não sei se é fato 25
Canção: A árvore da montanha (galho e ninho) 26
Quadro 3: Os cinco mensageiros 28
Canção: A árvore da montanha (ovo e pássaro) 28
Quadro 4: Pomar e jardim 30
Canção: Tempo perguntou pro tempo 30
Canção: A árvore da montanha (pena e flecha) 31
Quadro 5: Fervor e paixão 34
Canção: Não sei se é fato 35
Canção: A árvore da montanha (fruta e árvore) 35
Terceira parte ? A arte de ensinar 40
Quadro 6: Preparar a terra 42
Canção: Ora põe aqui o seu pezinho 42
Quadro 7: Palavras sólidas 43
Canção: Parece coisa de outro mundo 43
Quadro 8: Fazer fazendo 45
Canção: Quanto mais a gente brinca 45
Quadro 9: A terra das brincadeiras 46
Canção: Meu cavalinho 47
Quadro 10: A utilidade do conhecimento 48
Canção Bem-te-vi quer que eu te veja 48
Quadro 11: Ensinar a perguntar 49
Canção: Cada coisa é uma coisa 49
Quadro 12: Ensinar a ensinar 51
Canção: O poema é a fruta 51
Quadro 13: A fonte da inteligência 52
Canção: O meu coração 52
Quadro 14: Uma fábula de Esopo 53
Canção: Tum tum jacutinguelê 55
Quarta parte ? A disciplina 58
Quadro 15: O sol 60
Canção: Salve o sol 60
Quadro 16: Equilíbrio delicadíssimo 61
Canção: Não sei se é fato 61
Canção: Foi, foi, foi 62
Quinta parte ? A despedida 66
Quadro 17: Lentamente 68
Canção: Tempo perguntou pro tempo 68
Canção: Bate o sino 69
Comênio: a obra de uma vida e a vitalidade de uma obra 73
As fontes comenianas 90
A peça radiofônica 101
Existe uma música já presente no aprender [Fernando Barba]
Os autores 118
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