Entrevista com Ana Carolina Carvalho e Josca Ailine Baroukh
Em Leitores e leituras: experiências literárias na escola, Ana Carolina Carvalho e Josca Ailine Baroukh convidam educadores a pensar a literatura como uma experiência viva, sensível e transformadora dentro do espaço escolar. Nesta entrevista, concedida em 17 de outubro de 2025, as autoras falam sobre o processo de escrita do livro, suas reflexões sobre a formação leitora e o papel da escola como comunidade de leitores. Com a escuta das crianças no centro e a literatura como fio que costura práticas e afetos, Ana Carolina e Josca compartilham caminhos para que a leitura literária ocupe seu lugar de direito: o de formar sujeitos críticos, imaginativos e humanos. Leia a entrevista completa e descubra mais sobre essa inspiradora proposta.
Peirópolis: Assim como a literatura no mundo, o texto de vocês é uma pequena lanterna a convidar o leitor a olhar, perceber e reconhecer espaços e possibilidades que o livro é capaz de inaugurar na escola. Como foi escrever um texto que, pela forma e estilo, é, ao mesmo tempo, literatura e formação?
Ambas somos apaixonadas pela literatura e nos conhecemos fazendo formação de educadores de escolas públicas com foco na leitura. Isso nos conduziu à escrita do nosso primeiro livro, no qual abordamos mitos sobre a leitura literária na escola, que colhemos de nossas andanças. Nessa obra, já aparecia nosso jeito de costurar as palavras, enlaçando as práticas e as concepções que as sustentam. O retorno dos educadores e formadores que a leram foi sempre muito positivo, com destaque para a fluência e para os exemplos calcados na prática – eles se reconheciam na narrativa.
Quase 10 anos depois, o desejo de compartilhar reflexões mais recentes, ideias e descobertas diante do panorama da leitura literária na escola nos provocou a uma nova empreitada. A escrita foi realizada a quatro mãos, o que nos possibilitou inúmeros encontros de discussão, de deslocamento, de provocações, de incômodos. Foram muitas idas e vindas nesse processo: revisões, reescritas, mudanças de ordem de capítulos, escolha de palavras, de metáforas, de exemplos, de modos de narrar. A forma do livro foi um aspecto importante para nós – afinal, a literatura tem tudo a ver com a maneira pela qual os autores escolhem contar uma história. E queríamos que os leitores vivessem uma experiência em parte literária ao se aproximar desse novo livro.
Selecionamos exemplos reveladores de boas práticas vividas por professores, trazendo suas vozes. À medida que escrevíamos, textos literários caros a cada uma de nós se faziam presentes. Dessa maneira, o livro foi ficando encharcado de uma voz narradora que fala da prática entretecida pelas vozes de autoras e autores literários.
P: O livro propõe ao educador entender a leitura literária como uma experiência humana, com muitas dimensões e sentidos, e sugere a criação ou preservação de espaços e de tempo para essa experiência. Como isso pode contribuir para a formação integral do aluno, inclusive em outras áreas do currículo?
São muitas as camadas. A literatura fala da vida – tudo cabe nela. Reconhecemos seu valor e sua potência na formação humana pela possibilidade que ela abre de pensar sobre si, sobre o mundo e de se colocar na pele de outro. A leitura literária convoca o leitor e, quando bem mediada, contribui fortemente para a formação de um ser humano crítico, que questiona, desconfia, desobedece – afinal, a literatura é subversiva, posto que é arte. Nesse sentido, quando presente na escola, impacta na formação integral dos estudantes e extravasa para as demais áreas curriculares.
Outra dimensão a considerar é o momento histórico que vivemos, em que tudo ocorre muito rápido, ao mesmo tempo, com a presença maciça de telas que produzem uma relação evanescente – e muitas vezes consumista – com a vida. Nesse cenário, a proposição de tempos e espaços para a leitura literária abre uma fresta, atuando na contramão do fluxo ininterrupto da contemporaneidade. A noção de experiência se contrapõe a isso – gera a possibilidade de um tempo alargado para cada qual viver sua subjetividade e experimentar-se enquanto leitor.
P: Vocês propõem o envolvimento de todos os adultos da escola na formação de leitores e, com isso, a criação de uma verdadeira comunidade leitora. Como o transbordamento das práticas de leitura pode alavancar transformações?
Um leitor não se constitui sozinho. Mesmo quando a pessoa já lê autonomamente, para chegar a esse ponto foi sustentada por muitos leitores que participaram de sua formação. E para seguir em seu percurso, sempre necessitará de pares para trocas, discussões e contrapontos.
A escola, por ser um lugar essencialmente comunitário – todos estão ali em prol das aprendizagens das crianças e dos jovens – e lócus fundamental de encontro com as culturas do escrito, é o ambiente propício para que os intercâmbios entre leitores de diferentes competências e fôlegos aconteçam.
Quando pensamos na escola como uma comunidade de leitores, nós também consideramos que é preciso garantir uma diversidade de práticas, em diferentes formatos, tal como a leitura acontece na vida. Não nos referimos apenas à indispensável leitura diária em sala de aula, mas como prática institucional, abraçada por toda a comunidade. É assim que ela pode transbordar, afetar e engajar um bom número de leitores.
Como afirmamos no livro: “se cada escola se comprometer de verdade em ser um ambiente leitor em que se respira leitura, em ser comunidade que lê junto, está dada a chance para a constituição de uma sociedade leitora”.
P: Tanto na capa do livro, que traz desenhos e a escrita infantil, bem como no seu conteúdo, percebe-se o interesse pela escuta e inscrição da criança na experiência da leitura na escola. Como o livro pode ajudar o professor a valorizar a experiência de cada criança com as obras literárias?
Acreditamos que a conversa é essencial para a formação leitora. É na conversa que os leitores trocam impressões, ampliam olhares, escutam outros pontos de vista, renovam suas ideias sobre o livro e podem aprofundar as aprendizagens sobre a literatura. Conversa implica necessariamente escuta genuína, que considera o outro e o que ele tem a dizer. Sem silêncio, não há conversa – como bem diz Cecília Bajour, autora com a qual dialogamos e sempre paramos para ouvir.
Trazemos vários exemplos de roda de conversa com muitas falas de crianças, que surpreendem e impelem os professores a reconhecer os saberes e as aprendizagens de seus estudantes. A escuta e a observação atenta de seu grupo permitem aos educadores planejarem de modo mais assertivo, preciso, em diálogo com as crianças e suas necessidades formativas. Não podemos falar em formação leitora sem considerar os leitores, suas vozes, seus corpos, seus olhares, suas contribuições.
Na capa, vemos excertos de indicações literárias feitas por crianças de 1º ano, que aprendem a compartilhar suas ideias sobre os livros de diferentes maneiras, inclusive escrevendo sobre eles. Tudo isso é fruto do intercâmbio que acontece entre os leitores.
P: Este é um livro de formação para educadores. Não traz uma fórmula, mas propõe-se a criar espaços de compartilhamento das possibilidades e acolhimento dos desafios que todos encontram na formação do leitor literário na escola. Como vocês, autoras, imaginam que este livro poderá impactar a vida dos educadores que o lerem?
Consideramos enquanto educadores todos aqueles que estão na escola. Esperamos que nossos leitores vivam uma experiência. Que a leitura provoque reflexões, análises de suas próprias práticas, inspirações para outras, momentos de trocas entre pares. Desejamos que possam sustentar as condições para que a leitura literária de fato se efetive na escola e que as crianças tenham muitas oportunidades de encontros com ela. Almejamos que os educadores sintam vontade de ler mais, que sejam tocados pela literatura e reconheçam sua importância para a formação humana.
Sobre o livro
Leitores e leituras: experiências literárias na escola
Ana Carolina Carvalho, Josca Ailine Baroukh
13,5 x 20,5 cm • 156 páginas • PB
ISBN 978-65-5931-434-8
Livro digital ISBN 978-65-5931-435-5 (ePUB)
Coleção Chão de Escola v.2
R$56,00
O que significa formar leitores de literatura na contemporaneidade? Quais as condições para que a leitura literária esteja efetivamente presente na escola?
A partir de experiências concretas e da escuta de muitos educadores, o livro explora os espaços que a literatura pode ocupar no cotidiano escolar, o tempo que requer e as conversas que suscita entre crianças, professores e livros — diálogos que se colocam no centro da formação de leitores, pois ampliam sentidos e favorecem aprendizagens literárias.
Tomando como referência a sala de aula e as práticas institucionais de leitura, amplia-se o olhar para refletir sobre a responsabilidade coletiva de constituir comunidades leitoras na escola, condição fundamental para a formação de uma sociedade leitora.
Uma contribuição voltada a professores, bibliotecários, coordenadores e a todos os que se dedicam a fortalecer a presença da literatura na escola.
A obra é o Volume 2 da Coleção Chão de Escola.
Sobre as autoras
Ana Carolina Carvalho é mestre em educação pela Unicamp e psicóloga pela USP. Foi professora de educação infantil e trabalha há cerca de 25 anos com formação de educadores, sobretudo na rede pública, junto a organizações do terceiro setor. É formadora do Instituto Avisa Lá, editora assistente e assessora pedagógica na Editora Peirópolis e integra o Instituto Emilia. É autora de artigos e publicações sobre formação de leitores na escola e de títulos de literatura para crianças e jovens.
Josca Ailine Baroukh é mestre e graduada pela USP, com especialização em Educação Infantil e Ensino Fundamental com Madalena Freire. Atua na Escola Vera Cruz, na editora Binah e na formação de professores e gestores desde 1999, em redes públicas, privadas e ONGs. Foi professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental, atuou no Ensino Superior e coordenou projetos em instituições como Instituto Singularidades, A Casa Tombada, Instituto Tomie Ohtake e Fundação Bienal. É autora de diversos livros para crianças, além de obras sobre leitura e educação, em parceria com outros educadores.
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