Ser antirracista não deve ser uma escolha - Entrevista com Magui - Editora Peirópolis

Ser antirracista não deve ser uma escolha – Entrevista com Magui

Magui, psicóloga educacional e escritora com longa atuação voltada às infâncias, é autora de Luiz Gama – A saga de um libertador, biografia para jovens que também reafirma valores de justiça, antirracismo e preservação da memória. Nesta entrevista, concedida pouco antes de sua partida, ela fala sobre o papel da literatura na formação crítica das crianças, a importância de contar histórias reais — mesmo as mais difíceis — e os motivos que a levaram a narrar a infância e a luta de Luiz Gama, referência na luta pela liberdade no Brasil.

Ilustração de Angelo Abu para Luiz Gama – A saga de um libertador

Peirópolis: Como conhecer a biografia de Luiz Gama contribui para construir uma sociedade justa e democrática, livre de racismo?

Magui: A sociedade brasileira foi estruturada tendo o racismo como elemento fundador. Os mais de 300 anos de escravidão no Brasil ainda deixam marcas profundas em desigualdade e preconceito. Ser antirracista não deve ser uma escolha, mas um dever de todos aqueles que desejam uma sociedade mais justa. Luiz Gama é um exemplo, com sua vida e obra, de como podemos lutar contra o racismo.

P: Por que escrever para as crianças sobre acontecimentos históricos traumáticos, como a diáspora e a escrivão negra, o Holocausto e a guerra?

M: Conhecer a história é fundamental para que as crianças possam refletir sobre como nossa sociedade foi se desenvolvendo e se posicionar com seu entendimento. No entanto, eventos traumáticos e violentos não estão restritos apenas à história. Como exemplo, os contos de fada são uma sucessão de tragédias e violência. Branca de Neve, por exemplo, começa com a encomenda da sua morte e de arrancar o seu coração.

P: Suavizar ou omitir fatos históricos no jovem leitor pode comprometer seu olhar crítico para a realidade?

M: Pode. E é uma pena. Injusto, não verdadeiro, enganação sem sentido.

P: Recentemente vivemos uma revisão dos arquivos da memória cultural e suas operações: monumentos, heróis em revisão. Você acredita nesta reconstrução?

M: Não se deve descartar o passado nem para ficar em paz com a sua consciência. É importante saber o que aconteceu, mesmo que seja julgado com as circunstâncias que vão atenuar culpas. As crianças têm direito à verdade!

P: Qual foi a sua opção na hora de descrever a infância desse líder abolicionista e jornalista? Como foi o tratamento que deu ao texto, que preocupações a rodearam, que espírito a animou?

M: A autobiografia de Luiz Gama começa justamente com passagens sobre sua infância e traz um fato crucial que determina toda a sua vida. É tão marcante que serve como minha inspiração para escrever sobre esse período.

Luiz Gama combate todos os argumentos racistas; além disso, mostra a importância da leitura e escrita, que foi o ponto de partida da superação. Gosto disso! Tenho um conjunto de histórias pra combater o racismo e orgulhar crianças negras. Inclusive uma biografia do Jesse Owens que eu chamo de “Histórias quase verdadeiras”.

Sobre a autora

Margarida Maria Pompéia Gioielli – Magui (1944-2022)

Magui foi psicóloga educacional e trabalhou com crianças, adolescentes e jovens. Sua jornada profissional incluiu uma diversidade de atuações: trabalhou na TV Cultura no início da década de 1970, escreveu muitas histórias publicadas na revista Recreio, da Editora Abril e atuou na instituição Aldeias SOS, acolhendo crianças em situação de vulnerabilidade social. Nessa função, envolveu-se no estudo de meninos e meninas que apresentavam dificuldades de adaptação à escola e foi uma das autoras de um projeto de inclusão. Como desdobramento desse trabalho, foi criada a Associação Educacional Labor, com foco na formação de professores de escola pública.

Foi autora de muitos livros para as infâncias, incluindo outra biografia: A vida de José Anchieta para crianças. Pouco antes de escrever a obra Luiz Gama – A saga de um libertador, em 2015, Magui foi diagnosticada com doença do neurônio motor (DNM), uma enfermidade degenerativa dos nervos que causa fraqueza muscular progressiva. No entanto, ela nunca deixou de escrever, o que era uma paixão desde sua juventude. O livro sobre Luiz Gama foi se desenvolvendo conforme a doença avançava. Mesmo em cadeira de rodas, sem os movimentos das pernas e as mãos bastante enfraquecidas, e até mesmo com a fala debilitada, ela conseguiu finalizar a história, para sua grande alegria. Após a produção editorial, quando o livro voltou para revisão final de Magui, ela já não conseguia se movimentar, nem falar. Para se comunicar, usava um sistema digital que lia o movimento dos seus olhos. Mesmo com toda a dificuldade, conseguiu revisar o livro e teve a grande alegria de vê-lo publicado, dois meses antes de sua partida, cercada de carinhos pela família e amigos, em janeiro de 2022.

Sobre o livro

Luiz Gama – A saga de um libertador

Magui
Ilustrações de Angelo Abu
13.2 x 19.2 cm • 180 páginas  
ISBN 978-65-5931-005-0
ISBN EPUB 9786559310067

Este pequeno livro resgata a trajetória de um grande homem, que desafiou a estrutura arcaica e escravagista do Brasil do século XIX e dedicou a vida a defender a libertação de pessoas escravizadas. A narrativa envolvente de Magui, ricamente ilustrada por Angelo Abu, apresenta os momentos marcantes da vida desse homem plural que viria a ser reconhecido como intelectual brilhante e ativista incansável. Retornar a este tempo nos faz compreender um pouco melhor a nossa própria história.

Segundo o crítico literário Tom Farias, trata-se de “Um precioso relicário de resgate histórico, de posicionamento antirracista, com importante teor didático e informativo, que muito dialoga com o que se chama na atualidade de resiliência e protagonismo da mulher e do homem negro na sociedade brasileira.”

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