Entrevista com Telma Weisz - Editora Peirópolis

Entrevista com Telma Weisz

Mais de duas décadas após sua primeira edição, O diálogo entre o ensino e a aprendizagem, de Telma Weisz, volta a circular em um momento decisivo para a educação brasileira. Em meio a disputas sobre métodos de alfabetização, à valorização excessiva de resultados rápidos e à desvalorização do pensamento docente, a obra reafirma a importância de compreender a sala de aula como um espaço de reflexão e de escuta — onde ensino e aprendizagem se entrelaçam, mas não se confundem. Nesta entrevista, concedida em outubro de 2025, Telma revisita as ideias centrais do livro e comenta os desafios contemporâneos da alfabetização, a persistência de equívocos sobre o construtivismo e o papel essencial do professor como sujeito do processo educativo.

Peirópolis: Telma, seu livro O diálogo entre o ensino e a aprendizagem retorna às mãos do público 26 anos após sua primeira edição. Nesse intervalo, o cenário educacional brasileiro passou por transformações significativas. Nos últimos anos, em meio às dificuldades que cercam a alfabetização no Brasil, tem-se observado a proliferação de propostas que prometem resultados rápidos, muitas vezes retomando métodos antigos sob novas roupagens. Nesse contexto, como você analisa as tensões em torno do ensino da leitura e da escrita, particularmente a difusão e a defesa do método fônico?

Telma Weisz: O que estão procurando é uma linha de montagem para fazer as crianças lerem ou para fazer os professores treinarem as crianças. O professor é alguém que pensa e as crianças também precisam pensar para aprender.

Frequentemente essas teorias de que vão aprender melhor de uma ou de outra maneira, nem dão a informação, o contexto para a criança, ficam treinando mão, olho e um monte de outras coisas, como se esses exercícios produzissem aprendizagem.

Esse jeito de recortar o objeto “escrita”, de ensinar as menores partes, com menos sentido para as crianças já sabemos, não funciona, desrespeita a criança como sujeito do processo de aprendizagem. Se for ensinar assim, demoraremos cem anos para ensinar a ler e escrever. Porque aprender a ler e escrever implica estar diante da escrita e da informação, de alguém que é um leitor, que lê o que está escrito ali. É tudo o que uma pessoa precisa para aprender a ler e escrever.

Avaliar fluência leitora lendo palavras que não existem, de modo rápido, dá a ideia de que a compreensão que as pessoas (os defensores desta linha) têm quando montam uma atividade desse tipo, é que elas não sabem o que é leitura, porque leitura é produção de sentido. O que tem a ver fazer barulho com a boca na frente do livro, rápido ou devagar, com ler? Nada!

O método fônico e esses exercícios tem a ver com a incapacidade do adulto, que já é leitor, tem de compreender o processo pelo qual se aprende. Como ele já sabe, ele não consegue pensar com a cabeça de quem não sabe.

 

P: O construtivismo, ainda hoje, é frequentemente alvo de incompreensões e preconceitos. Uma das distorções mais persistentes é a ideia de que, sob essa perspectiva, a aprendizagem da escrita pela criança seria um processo meramente espontâneo, esvaziando o papel do professor. Considerando que tal afirmação nunca esteve presente na fundamentação teórica construtivista, como você interpreta a persistência dessa visão equivocada entre professores e na sociedade em geral?

TW: A aprendizagem da escrita não tem nada de espontaneísta. Trata-se da apropriação de um objeto conceitual. Se vem tudo pronto para o professor e tudo o que ele tem de fazer é reproduzir na frente dos alunos, pode substituir o professor por um gravador, se é essa compreensão que se tem do papel do professor, para que? Isso é reduzir a educação a um sistema…, a um mercado, a uma linha de produção. A ideia de reduzir o professor a alguém que reproduz é muito grave. É a intenção de torná-lo desnecessário. Um professor que pensa se torna um problema e o que não pensa é uma máquina, você pode simplesmente gravar e levar na sala a gravação.

Há princípios envolvidos numa situação de aprendizagem: a atividade precisa ser suficientemente fácil para ser compreendida e suficientemente difícil para fazer pensar. Tornar divertido parece se tornar o objetivo da atividade e não é. Aprender exige que você tenha algum desafio, alguma dificuldade para vencer, “ou complexidade” para aprender.

A ideia é que tudo serve para ensinar, só que nem tudo serve para ensinar porque para aprender o sujeito precisa ser desafiado. Você precisa que exista algum lastro de conhecimento que sustente a atividade intelectual e os desafios para avançar. Se não tiver isso, não se aprende.

 

P: O título de sua obra explicita uma separação, mas também uma necessária articulação, entre o ensino e a aprendizagem. Gostaríamos que você comentasse sobre a importância desse conectivo “entre”, e sobre o que se perde quando se adota a expressão usual “ensino-aprendizagem” como uma unidade indissociada.

TW: Quando você escreve com hífen, você está supondo que o único sujeito realiza as duas operações. Eu não sei exatamente de onde vem isso, mas é um problema que vem de muito tempo, essa ideia de chamar o processo de aprendizagem de processo de ensino-aprendizagem. Isso parte do princípio de que só se aprende se tiver ensino, o que é uma bobagem, porque não é isso que é a realidade, é como se não tivesse uma unidade, uma inteireza no processo de aprendizagem e outra no processo de ensino. Então como isso era uma coisa que se repetia e as pessoas repetiam mecanicamente sem pensar, eu comecei a fazer uma guerra a esse hífen. Não é processo de ensino tracinho aprendizagem. Existe um processo de ensino cujo sujeito é o professor e existe um processo de aprendizagem cujo sujeito é o aluno. Você tem dois processos, você tem dois sujeitos e não tem sentido juntar tudo numa coisa só. Ainda que ambos possam aprender e ensinar. Eu usei o termo “diálogo entre o ensino e a aprendizagem” para dizer que há uma interdependência. Esse diálogo se materializa quando o professor consegue entender a partir do que conhece, de como as crianças estão pensando, como aquela criança é capaz de receber informações que vêm do ensino. Se ele conseguir fazer essa conexão, ele vai entender como a criança aprende, ele vai ser capaz de ensinar. Porque se ele não entender o processo de aprendizagem, ele não vai ser capaz de ensinar!
A escuta, o olhar para o sujeito amparado por um conhecimento, um conhecimento científico não é qualquer conhecimento. Tem muita gente buscando isso, podem não ser tantos quanto a gente gostaria, mas são suficientes para fazer a diferença, para fazer a resistência, que vem dos professores, não vem do sistema.

 

P: A formação docente, sobretudo a do professor alfabetizador, é um dos grandes desafios da educação brasileira. Em sua perspectiva, quais seriam os elementos indispensáveis para constituir uma formação sólida e consistente desse profissional, capaz de enfrentar os desafios reais da prática em sala de aula?

TW: A formação leitora é uma questão muito importante para a área da alfabetização. Um professor que não lê e vai alfabetizar, o que ele tem para oferecer? Ele não é um leitor, ele não tem convivência com esse objeto que é a leitura, de onde ele vai tirar a energia para apresentar esse objeto do conhecimento para o aluno? A função do professor não é repetir o que está escrito no livro. É apresentar um objeto de conhecimento e não uma técnica. As pessoas até pensam que vão aprender uma técnica na faculdade, mas a técnica não serve pra nada, o que a criança tem de aprender é um objeto de conhecimento, que é uma coisa muito mais complexa do que uma técnica.
A questão da formação do professor é que ela é vista como um produto, você monta um produto para formar professores e não forma. Forma produtos, outros produtos que são o que eles acham que os professores devem ser e não é o que produz ensino e aprendizagem. A formação continuada é vista como um plus e não é um plus.

 

P: Telma, passaram-se 26 anos da publicação de seu livro, e ele segue atual, em seu diálogo com os professores. Como você vê essa atualidade da obra?

TW: Eu acho que tem duas coisas: uma, que é uma qualidade, é que eu falo de um lugar muito próximo ao que o professor está. Eu não falo da academia, eu falo muito perto da sala de aula. Outra é o modo como o livro foi produzido, a forma como foi feito, envolvendo professores que apresentam suas reflexões e com um texto que traz retomadas sucessivas, como a própria prática. Eu falo desse lugar, eu sou uma acadêmica, mas que fala de dentro da sala de aula.

 

Sobre o livro

Capa do livro O diálogo entre o ensino e a aprendizagem, de Telma Weisz, com a participação de Ana Sanchez. O fundo é verde-água, com letras grandes em roxo simulando escrita infantil, onde aparecem palavras como “FOJEBOL”, “QUIMADA” e “CARINHO”. Faixas retangulares em rosa destacam os textos em branco: na parte superior, o nome da autora e a menção à participação de Ana Sanchez; na parte inferior, o título do livro.O diálogo entre o ensino e a aprendizagem
Telma Weisz
13,5 x 20,5 cm • 160 páginas • PB
ISBN 978-85-7596-436-2
Livro digital ISBN 978-65-5931-437-9 (ePUB)
Coleção Chão de Escola v.1
R$56,00

Há quase três décadas, este livro vem acompanhando e formando professores em todo o país.

Escrito a partir de entrevistas realizadas com Telma Weisz, o texto articula pesquisa, experiência e reflexão crítica. Nele se encontram questões que permanecem centrais: o que, de fato, ensinamos quando alfabetizamos? Como reconhecemos os saberes prévios das crianças e compreendemos o modo como elaboram suas hipóteses sobre a escrita?

Qual é a responsabilidade da escola e do professor na mediação entre o sujeito que aprende e a cultura escrita? Em nova edição, revista e atualizada, a obra é referência incontornável no campo da alfabetização, ao oferecer aos educadores a possibilidade de repensar sua prática e renovar seu compromisso com a infância e o direito de todas as crianças à participação efetiva na cultura escrita.

A obra é o Volume 1 da Coleção Chão de Escola.

Sobre a autora

Telma Weisz é doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (1997). Atuou como professora-investigadora da Maestria da Universidad Nacional de La Plata, consultora da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo e membro do corpo editorial da revista Lectura y Vida.

Sua trajetória sempre esteve voltada para a área da Educação, com ênfase nos processos de ensino e aprendizagem, tendo participado de diversos projetos de educação popular. Atualmente, é supervisora da pós-graduação Alfabetização: relações entre ensino e aprendizagem, do Instituto Superior de Educação Vera Cruz.

Ao longo de sua carreira, supervisionou inúmeros projetos de formação de professores e de produção de materiais para formadores em diferentes secretarias de educação no Brasil e em São Paulo. Entre os principais projetos em que esteve envolvida, destacam-se: Isto se aprende com o ciclo básico (meados da década de 1980), Alfabetização: teoria e prática (1990), Por trás das letras (1992), o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA/MECLetra e Vida – Formação de professores alfabetizadores dos anos iniciais (2003), Ler e Escrever (2007–2014), PIC para Ler e Escrever (2009–2014) e a concepção e elaboração do Currículo da Cidade – SME-SP para Língua Portuguesa (2017).

Também é autora de diversos artigos publicados em revistas especializadas, como Alfabetização hoje (Revista pedagógica Língua Portuguesa – Ensino Fundamental, SEDUC/SISPAE, Pacto pela Educação do Pará, 2015) e A aprendizagem do sistema de escrita (Revista Veras, São Paulo, v. 6, n. 1, jan./jun. 2016).

 

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