Amigagem - Editora Peirópolis

Amigagem

 

 

Amigas recortadeiras

 

Por Francisco Marques

 

O título desta obra é “Amigagem” – palavra inventada na oficina de recortar e colar palavras: ar, aragem, ramo, ramagem, aprender, aprendizagem…

Na palavra “amigagem” aparecem duas letras amiguíssimas: “g” e “g”. Parecem iguais, mas são diferentes – porque produzem sons diferentes. Observe: “amigagem”. Escutou? Iguais e diferentes: duas amigas.

Nesta obra, entre as brilhantes ilustrações-colagens de Silvia Amstalden, rebrilham os treze poemas-recortes de Renata Farhat Borges.

Evocativos e confidentes, os poemas puxam a prosa sobre a “amizade” – o melhor recorte que a vida é capaz de realizar.

Na primeira prosa poética, a narradora nos apresenta a sua primeira amiga: Sofia. E em apenas quinze linhas somos levados por uma ventania de falas, emoções e acontecimentos.

Logo adiante, pulamos da realidade para dentro de uma foto: e aí encontramos a narradora, a Sofia e a Mara. Em seguida, escapulimos da foto e pousamos novamente na realidade: a partir deste instante, é em torno de Mara que a narrativa se desdobra.

No oitavo poema-recorte, tantos anos depois, a narradora revela a profissão de Mara:
“Ela continuou firme nos seus recortes da realidade e especializou-se em fotografar, o que, no meu modo de ver, não deixa de ser um jeito todo especial de recortar um pedaço do mundo e colar em outro lugar.”

Na descrição das personagens, a narradora realiza recortes teatrais: “(…) Sofia, olhos amendoados recortados por um rosto alvo e cabelos Chanel (…)” “Mara e eu, cabelo de milho, tínhamos janelas nos dentes e quatro olhos.”

Na construção literária, a autora realiza recortes expressivos:
“(…) e continuava viva. E agora triste.”
“(…) para recortar alguns pedaços da natureza que talvez a gente nunca mais (note: nunca mais) veja.”

No terceiro poema-recorte, a narradora revela a peleja entre a vogal “u” e a consoante “v”:
“Sei lá, ainda hoje confundo as duas; ao escrever em letra cursiva, uma vira a outra.”

No curso da vida, também os sentimentos se confundem. As duas amigas recortadeiras, por exemplo, foram se tornando “pessoas bem diferentes”, “diferente mesmo”, mas, de repente, “éramos bastante iguais” e “continuamos iguaizinhas”.

Em outros momentos, a narradora sabiamente nos confunde:
“Enquanto eu larguei de recortar e colar (…)”
“(…) o que a levava para ainda mais longe de mim e das pessoas normais, que viviam inseridas na realidade antes de ela ser recortada.”
“Eu, de meu lado, tenho tentado manter a realidade sem recortes.”

Na verdade verdadeira, autora e narradora, “trabalhadeiras, tesoura de unha nas mãos”, recortam duplamente: ao recordar e tecer um colar de evocações; ao escrever e tecer um colar de palavras.

Portanto, o que a narradora falou sobre a Mara, podemos declarar sobre a autora:
A Renata viaja pela vida em pequenos caderninhos acumulando recortes magníficos para nos trazer, a fim de que possamos valorizar ainda mais este mundo.

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