Aquilo que salta aos olhos - Editora Peirópolis

Aquilo que salta aos olhos

Menos, com o devido destaque, é mais. É o que nós, comunicadores, podemos aprender com os grandes mestres da pintura.

Artistas plásticos, como o holandês Vincent Van Gogh, têm a capacidade de desconstruir imagens e reconstruí-las por uma ótica própria. O impressionante nesses casos é que muitas vezes o elemento que mais chama a atenção não é necessariamente o que ocupa o maior espaço na tela. Se o cenário é, por exemplo, um mar, umcéu azul e um pequeno barco, o pintor tem o dom de dar um destaque ímpar ao barco, por mais que sua figura corresponda a um sexto do tamanho do mar ou a um terço do tamanho do céu. O artista tem a capacidade de fazer comque o olhar seja direcionado àquele elemento, por menor que seja.

O também holandês Rembrandt tem diversos quadros em que trabalha com a alternância entre claro e escuro. Às vezes, o claro não passa de fragmentos na cena. Mas eles carregam tamanha luminosidade, que imantam o olhar de quem esteja diante da obra.

Quando Van Gogh fazia gravuras ou os trabalhos prévios para a elaboração de um quadro, seguia um processo por etapas. Se ele fosse retratar uma árvore, por exemplo, o primeiro passo era capturar a imagem com um lápis preto. E, mesmo dispondo de uma só cor, Van Gogh conferia intensidades à figura, como o troncomais escuro, algumas folhasmais carregadas do que outras e tonalidades variadas na folhagem.

A segunda fase do processo consistia em refazer o desenho, dessa feita aplicando uma cor. Esse exercício de experimentação servia para observar como aquela coloração reproduziria a intensidade que ele havia capturado. VanGogh, então, já não olhava para a árvore. A base era o desenho original e resultava na nova versão coma cor aplicada. Terminada a segunda fase, ele ia para a etapa final, que era pintar o quadro, dando a intensidade
da cor que ele havia capturado na primeira versão, que ele havia testado na segunda e que, definitivamente, ele representava na terceira versão.

É por causa desse dom que, num dos quadros mais famosos de Van Gogh, O girassol, por exemplo, a sensação é que a flor sai da tela, tal a intensidade daquele amarelo. É algo tão arrebatador, que o olhar se direciona mais diretamente para a flor do que para o caule, para o vaso, para a mesa, que, em tese, têm cores tão fortes quanto aquele amarelo. Isso significa que a intensidade está retratada exatamente coma luz e coma cor necessárias para refletir a percepção do artista no momento em que a imagem foi capturada.

Indo para o mundo da comunicação, quando elaboramos um texto, precisamos saber onde queremos dar intensidade. Às vezes, a intensidade é uma mensagem subliminar, é a emoção que se deseja despertar. Naquele momento em que um artista capturava a imagem numa tela, soprava um vento, ecoavam pequenos barulhos e, sobretudo, existiam os sentimentos vivenciados naquele exercício. Analogamente ao artista, o comunicador, quando elabora uma mensagem, tambémtemde perceber que é necessário trazer essas nuances para o texto. E, se ele puder construir o texto em três fases, com a primeira etapa equivalendo a um rascunho com os elementos fundamentais da mensagem, a segunda, à decisão do que terá intensidade, e a terceira, à harmonização de todos os elementos, será mais fácil transmitir o sentimento original da mensagem.

Mas o que ocorre comfreqüência é o movimento oposto. O texto pronto sofre tantas mexidas, que o resultado final é um grande Frankenstein. Um prédio pronto, por exemplo, passou pela preparação do terreno, pela montagem do esqueleto coma estrutura de ferro e pelo acabamento. Com os textos corporativos, muitas vezes, a lógica é inversa. O texto já está pronto, mas é preciso enxertar mais elementos. É como se fossem colocar varanda onde não tem sustentação, sala de ginástica onde não há ventilação e quadra poliesportiva onde não caberia uma mesa de futebol de botão. É provável que nesses casos o comunicador tivesse de voltar para a etapa da estrutura de ferro ou mesmo para o terreno e começar de novo.

Isso pode ocorrer por motivos diversos, mas há dois que são bastante recorrentes. O primeiro é a mensagem não atender plenamente aquilo que foi demandado, muitas
vezes porque o profissional de comunicação não fez as perguntas-chave ou se contentou com um briefing incompleto. A segunda causa é a aceitação resignada daquilo que foi sugerido (ou imposto) pelo chefe ou pela pessoa encarregada de aprovar o texto. É como se o pintor topasse colocar mais um vaso pequenininho do lado do vaso grande e não faz sentido. E a conduta, em vez da argumentação, é a simples anuência. O profissional, muitas vezes para evitar o desgaste do debate, não só concorda em acrescentar o vaso como também a fruta, a toalha de mesa e mais uma série de cacarecos. E o que era para ser um texto acaba se tornando uma verdadeira prateleira de supermercado. Se um cartaz precisa ter vinte 86 atributos, no final das contas não tem nenhum. E, quando se coloca um monte de elementos, o olhar (e o foco portanto) se perde.

Nessas ocasiões, o profissional de comunicação precisa ter discernimento para avaliar se não é o caso de lançar uma campanha para que tal quantidade de informação seja mais bemassimilada. Caso seja, precisa sustentar sua argumentação para a adoção da medida. Se não houver necessidade da campanha, cabe ao profissional defender a estrutura do texto, priorizando a compreensão dos elementos cruciais da mensagem. Nessas horas, fará todo o sentido

chamar Van Gogh de mestre, mesmo que não se esteja tratando de obras de arte. mestres da pintura.

Copyright do autor

*Carlos Parente atua há mais de 20 anos nas áreas de comunicação, marketing e recursos humanos em empresas brasileiras e multinacionais, nas quais liderou projetos de comunicação corporativa, transformações de cultura em situações de fusão, aquisição e reposicionamento estratégico. Administrador de empresas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e com MBA em Marketing pela Faculdade de Economia e Administração ? Universidade de São Paulo (FEA-USP), é professor no curso de pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial). Além disso, possui diversos artigos publicados em revistas especializadas em comunicação e é co-autor do livro Comunicação Interna: A força das empresas ? v. 1 (Aberje Editorial).

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