O mundo é realmente tão perigoso? - Editora Peirópolis

O mundo é realmente tão perigoso?

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Foto de Felipe Hellmeister

A escritora e psicanalista Tatiana Filinto lança seu terceiro livro infantojuvenil, Não falta nada, álbum ilustrado pelo artista plástico Visca.  O livro narra a história de um menino que cresce cercado de cuidados e faz lembrar que, muitas vezes, acreditando proteger os filhos dos “perigos” do mundo, os pais acabam por atropelar tempos, iniciativas e descobertas por parte das crianças.

As ilustrações pouco convencionais de Visca ajudam a elaborar o sentido de que a diversidade na representação do mundo pode expressar a liberdade de cada um – neste caso, do autor e do leitor.

Antes deste livro, Tatiana lançou A menor ilha do mundo (2010), com ilustrações de Graziela Mattar, e Vestido de menina (2011), com a mineira Anna Cunha, ambos pela Peirópolis. O artista Visca ilustrou anteriormente o livro Folclore de chuteiras, de Alex Gomes.

Tatiana nasceu em São Paulo em 1973. Já contou, leu e inventou muitas histórias para crianças e adultos em livrarias, eventos literários, quintais de amigos, grupos de formação de educadores e salas de educação infantil. Hoje mais escuta do que conta, psicanalista que é, mas um pouco por isso mesmo, outro pouco por acreditar que as histórias estão por aí o tempo todo, continua escrevendo textos retirados do que percebe do mundo.

Peirópolis – Tati, você vem tratando nos seus livros questões que surgem de sua escuta psicanalítica. Como este livro se insere nas observações que faz do mundo e das relações entre crianças e adultos?

Não falta nada e Vestido de menina, o livro anterior a este que lanço agora, vieram para discutir um momento em que as crianças são mais curiosas acerca da organização familiar e suas origens. Estão prestes a entrar na adolescência, período de contestação e importante processo de diferenciação do grupo familiar em direção a uma trajetória própria na vida adulta.

Hoje, como diz minha biografia aqui no site, mais escuto que conto por conta do meu trabalho, mas escrevo textos do que percebo do mundo – dentro e fora do consultório. Por exemplo, em 2009 estive na exposição que o SESC Pinheiros organizou tornando acessível o pensamento e proposta de um designer e autor italiano, Bruno Munari (1907-1998) e digo que teve grande impacto na escrita desse livro:  o não cerceamento da imaginação, a participação ativa da criança na significação do seu trabalho e de seu lugar no mundo.

O que poderia ser conhecimento para agregar e compor o olhar que se tem sobre os filhos, a relação com estes e sobre si mesmo, acaba por obedecer uma “cultura da excelência”. O papel dos pais e educadores, muitas vezes, passa a ser traduzido por desempenho e os mais diversos conteúdos inerentes à educação dos filhos comumente categorizados e delegados a especialistas (todo o tipo de especialistas – do brincar à saúde física e mental).

Peirópolis – O mundo é perigoso?

O mundo-mundo é bastante complexo e trabalhoso, mas tinha em mente quando escrevi este texto o recorte a partir do olhar de uma criança: o mundo é realmente tão perigoso quanto meus pais parecem mostrar? Pensei em um menino que cresce cercado de “eu sei o que você quer e precisa e o que é seguro, garantido e bom para você”. Esse adulto, muitas vezes, acredita proteger os filhos e alunos dos “perigos” que o mundo tem, mas acaba por atropelar tempos, iniciativas e descobertas por parte das crianças.

Peirópolis – Qual é o limite entre proteger e superproteger?

Penso que proteger, numa determinada acepção, está mais próximo de poder zelar, cuidar, apoiar. Já superproteger, me parece, não ser um gesto em direção ao outro mas a reação diante do próprio medo de que haja perdas em relação aos filhos. E geralmente observamos efeito nesse outro, pois, este adulto toma a defesa de uma pessoa que, em todas as etapas da vida, num tempo próprio, teria condições de tentar, procurar, ensaiar, arriscar, entrar em contato com aquilo que consegue e o que ainda é difícil; o que é experimentado como bom e ruim etc.

Peirópolis – No livro, o personagem vive um momento de angústia com medo de se perder na rotina cheia de compromissos. A criança pode mesmo sentir-se desimportante diante dos desafios impostos por uma rotina muito intensa e regrada?

O distanciamento da família por meio do agendamento da vida infantil é notório nos dias de hoje. Ocupá-los com uma lista de atividades boas/importantes parece ser solução adotada de forma a praticamente normatizar a “atividade extra curricular”, entretanto, o texto desse livro brinca de fazer desconfiar que, talvez, a solução não seja tão boa assim, como precisamos acreditar. E me incluo nisso, como mãe que sou de duas crianças deliciosas, de oito e dez anos de idade.

Peirópolis – O personagem do livro se aventura para além do espaço  seguro, marcado pelos pais. Você acha que a criança pode se fortalecer a partir de vivências como esta?

Vivências como esta são estruturantes e fundamentais.

Peirópolis – Em que medida o tempo ocioso pode influenciar positivamente o desenvolvimento da criança?

É comum tomarmos ‘brincadeira’ como jogos educativos e/ou atividades orientadas. Estamos tirando o tempo ocioso das crianças e temos dificuldade de vê-las entediadas. Neste caso, oferecemos imediatamente uma nova atividade, sem dar espaço para que elas pensem de forma autônoma em como preencher o tempo. Muitas vezes, é o tempo do ‘fazer nada’, entre uma atividade e outra, uma brincadeira e outra, o tempo precioso para a criança. Tempo sem demanda, ali onde pode operar o desejo. Quanta coisa acontece quando a gente não faz nada? Às vezes não fazer nada pode ser fazer muito.

Peirópolis – O que falta para que as famílias possam ter segurança em liberar seus filhos para viver o mundo lá fora?

Talvez falte, justamente, um pouco de nada. Mas aí é que está a questão. Terão segurança? Que tipo de segurança almejam? É possível liberá-los com alguma falta de segurança? Sem garantias?

Peirópolis – Para que idade escreveu este livro?

Escrevi Não falta nada pensando em uma criança de seis a dez anos de idade embora isso não seja exatamente o que penso e observo da relação leitor/livro. Essa categorização acaba por auxiliar muitas vezes na procura por um livro numa livraria ou biblioteca, mas sigo firme com meu mote: livros para pessoas; não importa a idade. Essa é a relação que tenho com os livros.

Leia aqui a entrevista com o artista plástico Visca, que ilustrou o livro Não falta nada.

2 Comments

  • Patrícia Alves Posted 13 de fevereiro de 2017 22:08

    Gostei do artigo e fiquei com uma enorme vontade de ler este livro

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