Mário de Andrade & Henriqueta Lisboa: páginas de literatura, confissões, poesia & vida - Editora Peirópolis

Mário de Andrade & Henriqueta Lisboa: páginas de literatura, confissões, poesia & vida

Quem se deliciou com o livro Querida Henriqueta, reunião de cartas que Mário de Andrade escreveu para Henriqueta Lisboa entre 1939 e 1945, ano da morte do autor, pode agora conhecer a voz da sua interlocutora. Duas décadas depois do lançamento da editora José Olympio, uma parceria da Peirópolis com a Edusp e o IEB possibilitou a edição da correspondência completa entre os dois importantes expoentes das letras brasileiras.

Sobre a amizade literária

Esse intenso, profícuo e afetuoso diálogo foi alinhavado pela ensaísta Eneida Maria de Souza, professora emérita da Faculdade de Letras da UFMG, pesquisadora do Acervo de Escritores Mineiros, que guarda o acervo de Henriqueta. Correspondência – Mário de Andrade & Henriqueta Lisboa traz, em suas 400 páginas, não apenas cartas e fotografias, mas também material que contextualiza o encontro entre Mário e Henriqueta.

Abaixo publicamos trechos do texto “A Dona Ausente”, que introduz o leitor na leitura das correspondências, além de link para o texto de orelhas do professor Wander Melo Miranda, coordenador do citado Acervo.

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Poucas interlocutoras femininas teve Mário de Andrade, por pertencer a um círculo literário dominado por escritores, no qual a participação da mulher no espaço público era bastante limitada. Entre as destinatárias do morador da rua Lopes Chaves, Henriqueta Lisboa ocupou lugar de destaque, embora tenha usufruído a companhia do escritor apenas em seus últimos anos de vida (1939-1945). Essa voz feminina soube cultivar a conversa epistolar de Mário, acatando as sugestões de ordem estética, apesar de destoar de seu programa estético-ideológico, pautado pela defesa de uma arte nacional.

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Mário conhece Henriqueta em 1939, quando a euforia modernista já havia se extinguido e o escritor vivenciado momentos de decepção no campo pessoal e político. O texto se reveste de teor rememorativo, pautado por confissões de ordem familiar e profissional, e fornece testemunho precioso sobre uma das vertentes assumidas pelo escritor quanto à poética modernista. O conteúdo das cartas demonstra ainda o desgosto com o presente, marcado pela guerra e pelas transformações políticas causadas pela ditadura de Vargas. O descompasso entre o escritor dos áureos momentos da década de 1920 – defensor da bandeira modernista – e o dos anos 1940 – leitor do passado não mais visto como glorioso, mas em suas falhas e acertos – confirma a importância dessas cartas para melhor conhecer a trajetória literária e existencial de Mário de Andrade.

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Com a abertura da correspondência pertencente ao espólio de Mário de Andrade – cinquenta anos após sua morte, ocorrida em 1945 – o ofício obsessivo de escrever cartas tornava público o dever do intelectual de não só cultivar amizades que ia fazendo ao longo da vida, como orientar literariamente o trabalho dos jovens escritores. Henriqueta Lisboa, com o primeiro livro de poemas publicado em 1925 (Fogo Fátuo), ao conhecer pessoalmente o autor consagrado, já se notabilizava como escritora e defendia uma poética universalizante. Não é de estranhar que a convivência epistolar entre os poetas tenha contribuído para o aprimoramento estético da autora, ao serem sugeridos reparos e correções que resultaram em ganho literário. Considerada por ele “fora das correntes gerais que interessam atualmente à crítica nacional”, por fugir das tendências modernistas e realizar uma obra que se situava dentr dos parâmetros religiosos e universais, Henriqueta pôde sentir que as sensatas opiniões de Mário confirmavam o privilégio de se ter um leitor especial de poesia.

Dos 63 documentos arquivados no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, entre cartas, telegramas, postais e bilhetes, há um material de importância biográfica e estética constituído pela correspondência mantida por Henriqueta com Mário de Andrade. No Acervo de Escritores Mineiros estão arquivados 42 cartas, três bilhetes e dois telegramas endereçados por Mário à poeta mineira, documentos que foram publicados em Querida Henriqueta (José Olympio, 1990). Se antes tínhamos acesso apenas à voz do outro, ao monólogo epistolar e ao silêncio dos destinatários, hoje é possível resgatar na íntegra esse diálogo, documento fascinante e revelador de antigas dúvidas e de instigantes vazios. As cartas se abrem e provocam o tardio encontro entre duas escritas seqüestradas pelo tempo, graças ao desejo expresso de Mário em lacrá-las, evitando-se por algum período, sua exposição pública, por acredita que “ao sol/carta é farol”, como se expressa em carta. As outras vozes, silenciadas e guardadas a sete chaves, poderiam ter rompido o lacre e se integrado ao diálogo com o remetente, sem muito prejuízo para a compreensão da vida literária do momento e sem o adiamento do encontro, motivo de decepção ou de júbilo.

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