Posfácio - Quem tem pena de passarinho é passarinho - Editora Peirópolis

Posfácio – Quem tem pena de passarinho é passarinho

Energicamente delicada

Ana Elisa Ribeiro

Líria Porto surgiu para mim num pedido, lá por 2008. Eu não fazia ideia alguma de quem ela era, nem mesmo conhecia sua poesia, mas entendia então que era oportunidade de saber e de conhecer o traço fino daquela poeta surgida das redes telemáticas. Líria chegou por meio de uma mensagem sobre um livro, de lua, assim, em minúsculas, a ser publicado em Portugal, e que precisava de um prefácio. Não nos conhecíamos de conversas e trocas, mas ela me conhecia dos textos, este enorme novelo que, afinal, tece encontros entre as pessoas há séculos. E desencontros também, claro. Mas o caso aqui foi de partilha.

Quando li aquele pedido de prefácio, aliás de um livro com um título bonito desses, não hesitei. Não me ocorreu pensar “por que eu?”; ao contrário. Me ocorreu pensar “por que não eu?”, e daí me pus a ler a poesia da Líria Porto, até ali pouco mais que um nome na minha caixa de e-mails. E li e mergulhei nos universos que ela criava tão bem, manejando verso e ressonâncias como ninguém. Isto: como ninguém. Porque embora haja muitas poetas no mundo, a Líria Porto de Araxá só tem uma. E ela concebe seus poemas com traço reconhecível, tal como grandes pintores ou desenhistas. Se fosse possível ver a poesia da Líria Porto, seria talvez por meio de traços finos mas enérgicos, firmes em seu voo planado, uma expectativa de vir algo leve, mas vem uma pedra, depois o contrário, e vem uma pluma. Foi assim que entendi a poesia da Líria, e depois a própria Líria, uma mulher linda, imponente, de belíssimos cabelos inteiramente brancos, jeito de líder e uma enganosa imagem de avó dos contos para crianças. Enganosa.

A poesia da Líria Porto me surpreende, assim como a poeta. No timbre dela, os temas vêm fortes e as formas são cunhadas com espátulas miúdas. Com alguma delicadeza, ela vem e desanca a gente. A despeito daqueles óculos de moça séria, o olhar é felino e o verso é desconcertante. Líria é meio haicaísta, meio feminista, meio feroz na crítica a este mundo torto em que tentamos nos equilibrar. Líria Porto foi um dos sucessos da coleção Leve um Livro, de livretos gratuitos que distribuímos em Belo Horizonte por três anos. Não me esqueço de uma leitora que enviou mensagem no Facebook do projeto: “meu Deus, quem é essa poeta! Nunca tinha ouvido falar e já me apaixonei. Como encontrar os livros dela?”. Poetas têm disso. Como encontrar seus livros, quando nos apaixonamos por seus versos?

A coleção Madrinha Lua pretende reunir algumas dessas poetas que nos aparecem pelas frestas do mercado editorial, pelas fendas do debate literário amplo, pelas escotilhas oxidadas enquanto mergulhamos na literatura contemporânea. Já no final da vida, Henriqueta Lisboa, nossa poeta madrinha, se fazia uma pergunta dura, sem resposta previsível, em especial para as mulheres que escrevem: “Terá valido a pena a persistência?”. Pois então. Acho que todas se perguntam isso, mais cedo ou mais tarde. Não terá sido por falta de persistência e de uma coleção como esta, poeta. Vejamos aí a força delicada e madura de Líria Porto.

 

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